No livro de Atos, após a ascensão de Jesus, os discípulos estão reunidos em Jerusalém, esperando a promessa do Espírito Santo. Neste contexto, um evento crucial ocorre: a substituição de Judas Iscariotes. Este trecho de Atos 1:15-26 detalha a escolha de Matias para ocupar o lugar do apóstolo que traiu Jesus, um ato que reflete a necessidade de manter a integridade do testemunho apostólico e a continuidade da missão de Cristo na Terra.
A seleção de Matias não é apenas uma ação administrativa; ela tem implicações teológicas profundas. Ela sublinha a importância do testemunho ocular da ressurreição de Jesus para a autenticidade da mensagem apostólica. Este processo também mostra a Igreja primitiva operando em unidade, oração e sob a direção do Espírito Santo, mesmo antes de Pentecostes, evidenciando a continuidade do trabalho de Jesus através dos Seus seguidores.
Atos 1:15
“E naqueles dias levantou-se Pedro no meio dos discípulos (e era a multidão junta de quase cento e vinte pessoas) e disse:”
Pedro, emergindo como líder, toma a iniciativa para tratar de uma questão vital para a Igreja nascente. A menção de “cento e vinte pessoas” indica uma comunidade significativa além dos onze apóstolos, mostrando que a Igreja já estava se formando. Este número também pode simbolizar a multiplicidade e a unidade dentro da Igreja (cf. Lucas 24:53).
A liderança de Pedro aqui é uma prefiguração do seu papel chave na Igreja primitiva, conforme indicado por Jesus em Mateus 16:18. Este ato de levantar-se para falar demonstra a autoridade que ele exercia entre os irmãos e a responsabilidade de guiar a Igreja em decisões importantes.
Atos 1:16-17
“Varões irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura, que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam a Jesus; Porque ele era contado conosco e tinha parte neste ministério.”
Pedro começa explicando que a traição de Judas e sua substituição eram parte do cumprimento das Escrituras. Ele cita o Salmo 41:9, onde a traição é prevista, mostrando como os eventos são teologicamente significativos e não meramente acidentais (cf. João 13:18).
Ao falar de Judas como alguém que “tinha parte neste ministério”, Pedro reconhece a tragédia de alguém que foi chamado para um ministério divino, mas escolheu um caminho de traição. Este versículo enfatiza a seriedade do chamado apostólico e a necessidade de integridade e fidelidade (cf. João 6:70).
Atos 1:18-19
“Este, pois, adquiriu um campo com o galardão da iniquidade; e, precipitando-se, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram. E tornou-se isso conhecido de todos os habitantes de Jerusalém; de maneira que na sua própria língua esse campo se chamou Aceldama, isto é, Campo de Sangue.”
Lucas descreve a morte de Judas, que, segundo Atos, foi uma morte violenta e trágica, simbolizando o fim terrível da traição. Este relato diverge do de Mateus 27:5, mas o significado simbólico é claro: a iniquidade de Judas resultou em sua própria destruição.
A menção de “Aceldama” serve como um lembrete permanente da consequência do pecado de Judas, evidenciando como até mesmo os locais geográficos podem se tornar testemunhas da história divina (cf. Mateus 27:6-10).
Atos 1:20
“Porque está escrito no livro dos Salmos: Fique deserta a sua habitação, e não haja quem nela habite; e: Tome outro o seu bispado.”
Pedro cita os Salmos 69:25 e 109:8 para justificar a necessidade de substituir Judas, mostrando que até mesmo a traição e a substituição de um apóstolo estavam previstas nas Escrituras. Esta citação sublinha a soberania de Deus sobre os eventos humanos e a continuidade do plano divino (cf. Salmos 69:25, 109:8).
A ideia de “bispado” aqui refere-se ao ministério apostólico, indicando que o ofício apostólico não deve ficar vago, mas ser preenchido para manter a integridade do testemunho e da missão da Igreja.
Atos 1:21-22
“É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós, Começando desde o batismo de João, até ao dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles seja feito testemunha conosco da sua ressurreição.”
Pedro estabelece os critérios para o novo apóstolo: alguém que tenha acompanhado Jesus desde o batismo de João até a ascensão, garantindo que a nova testemunha fosse um verdadeiro testemunho ocular das obras, morte e ressurreição de Cristo. Esta exigência ressalta a importância do testemunho apostólico como base da pregação cristã (cf. 1 Coríntios 15:5-8).
O período definido por Pedro também reforça a continuidade do ministério de Jesus do início ao fim, mostrando que o novo apóstolo deveria ser alguém que pudesse atestar a integralidade da vida e obra de Jesus, especialmente sua ressurreição.
Atos 1:23-26
“E apresentaram dois: José, chamado Barsabás, que tinha por sobrenome Justo, e Matias. E oraram, e disseram: Tu, Senhor, que conheces os corações de todos, mostra qual destes dois tens escolhido, Para tomar parte neste ministério e apostolado, de que Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar. E deitaram sortes sobre eles; e caiu a sorte sobre Matias, e por unanimidade foi contado com os onze apóstolos.”
A seleção final entre José Barsabás e Matias é feita por sorte, mas não sem antes orar a Deus para que Ele indicasse Sua escolha, mostrando uma dependência do divino para decisões eclesiásticas. Este método de sorteio é uma prática bíblica para discernir a vontade de Deus em situações onde a escolha humana é insuficiente (cf. Provérbios 16:33).
A inclusão de Matias “por unanimidade” como apóstolo reflete a unidade da Igreja primitiva e a crença de que a decisão foi guiada pelo Espírito Santo. Este evento é um dos primeiros exemplos de como a Igreja primitiva tomava decisões sob a orientação divina, preparando-se para o grande avivamento que viria com o Pentecostes.
Conclusão
A escolha de Matias para substituir Judas é um momento de restauração e continuidade na história da Igreja. Este ato não só cumpre a Escritura, mas também estabelece um precedente para a liderança e a decisão na comunidade cristã, baseada na oração, unidade e na busca pela vontade divina. A substituição de Judas por Matias é um testemunho de que, mesmo em face de traição e falha humana, Deus tem um plano que prevalece, mantendo a pureza e a autoridade do ofício apostólico.
Além disso, este episódio nos lembra da importância do testemunho ocular das obras e da ressurreição de Jesus, fundamento da fé cristã. A necessidade de um testemunho fiel e contínuo é vital para a mensagem do Evangelho, mostrando que a Igreja é construída sobre o testemunho dos apóstolos, que viram e ouviram o Senhor (Efésios 2:20).
A unidade na decisão e na oração pela escolha de Matias também prefigura a vida da Igreja, onde a comunhão e a busca conjunta pela direção de Deus são essenciais. Este evento nos ensina que, em todas as decisões da Igreja, a busca pela vontade de Deus deve ser central, confiando que Ele guiará Sua Igreja através dos tempos, mesmo em momentos de crise ou decisão.
Finalmente, a narrativa de Matias nos encoraja a considerar a seriedade do chamado cristão e a necessidade de integridade e fidelidade em nosso serviço a Deus. Assim como Matias foi escolhido para continuar a missão apostólica, cada crente é chamado a participar no plano de Deus para a salvação do mundo, testemunhando a verdade e a vida que só se encontram em Jesus Cristo.